Crianças na internet: cuidados a ter

por Ireneu Matamba em 01 de Apr, 2021 Artigo
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Crianças na internet: cuidados a ter

1. As crianças "vivem na internet"!

Não há volta a dar.

Nos dias que correm é normal vermos uma criança a ter aulas online. Com efeito, mesmo antes da pandemia, em algumas escolas já era adoptado esse método, ainda que de forma complementar, por um lado. Por outro lado, vários pais estimularam as crianças a estudar pela internet, no Youtube, por exemplo, como reforço para as aulas do estilo "tradicional", ou seja, presencial e sem recurso à internet na sala de aula, para as matérias em que as crianças sintam maior dificuldade de aprendizagem, como a matemática.

Na "vigência" da pandemia da Covid-19 foi muito mais evidente a importância da internet e das soluções informáticas para o ensino, considerando sobretudo a fase (ou fases consoante o país) de confinamento total ou quase total, em que as crianças não puderam (em alguns casos continuam a não poder) ir à escola (tradicional), podendo-se claramente afirmar que a escola beneficiou-se do encurtar ou eliminar das distâncias que a internet e as soluções informáticas proporcionam.

Por isso, tudo indica que no ensino não há volta a dar, quer quanto ao recurso à internet, como relativamente à utilização de soluções informáticas para o ensino das crianças. Aliás, é até desejável, pois, além de várias outras vantagens, permite (permitiria) o acesso à escolas que os pais consideram melhor, independentemente da sua localização geográfica. Deste modo, estudantes da Huila (Angola) poderiam, por exemplo, frequentar o ensino em "Luanda" (Angola), ou em Maputo (Moçambique), ou em Cape Town (África do Sul), sem a preocupação de terem de fazer uma viagem e cuidar de toda uma logística para o efeito, geralmente dispendiosa.

 

2. Riscos da internet para as crianças e cuidados a ter

Mas, como é sabido, a internet e as várias soluções informáticas não oferecem apenas aspectos positivos ou vantagens, sendo vários os perigos.

Com efeito, com a Kaspersky podemos elencar 7: Bullying virtual, Predadores virtuais, Publicação de informações privadas, Phishing, Vítimas de golpes, Download acidental de malware, Postagens que podem se voltar contra seu filho no futuro (para mais detalhes consultar https://www.kaspersky.com.br/resource-center/threats/top-seven-dangers-children-face-online, acessado em 22 de Março de 2021).

O fundo das nações unidas para a infância (UNICEF) alerta que "milhões de crianças em todo o mundo estão enfrentando um risco dentro de casa por causa das medidas de quarentena contra a covid-19", pois, "com as escolas fechadas, um número recorde de alunos está passando mais tempo na frente dos computadores" (consultar https://news.un.org/pt/story/2020/04/1710402, acessado em 22 de Março de 2021).

Por isso, uma importante questão se coloca: como evitar que, ao mesmo tempo que se beneficia das vantagens da internet (e das soluções informáticas) para o seu ensino, a criança não esteja em contacto com os perigos ou desvantagens que essa mesma internet (e soluções informáticas) amiúde oferece?

Várias poderiam ser as respostas, seguramente.

A esse respeito, o UNICEF aponta 5 (1-manter uma comunicação aberta, honesta e segura com as crianças; 2- usar a tecnologia para proteger as crianças; 3- passar tempo com seus filhos na internet; 4- alimentar hábitos online saudáveis; 5- equilibrar a recreação na internet com as actividades fora dela incluindo tempo ao ar livre, se possível  - consultar https://news.un.org/pt/story/2020/04/1710922, acessado em 22 de Março de 2021).

Poder-se-iam apontar outras, seguramente. Algo fundamental e imperioso é que todas elas visassem, em última análise, a protecção da criança, que é um princípio constitucional, como rezam os artigos 35.º, n.º 6 e 80.º, n.º 1, ambos da Constituição da República de Angola.

 

3. A solução no âmbito do Direito da Família (os deveres de cuidado e de educação)

Embora possa parecer um problema recente, ou pelo menos colocado com o surgimento da computação e internet lato sensu, na verdade a necessidade de protecção da criança vem sendo sentida e colocada há bastante tempo e o direito da família tem respondido a essa necessidade com a consagração, além de outros, dos poderes-deveres de vigilância e de cuidado (consultar o artigo 135.º do Código da Família).

Os mencionados poderes-deveres (vigilância e prestação de educação) são, na verdade, uma das concretizações do sobredito princípio da protecção da criança ao nível do Código da Família, pelo que o seu cumprimento significará o cumprimento do supracitado comando constitucional.

O poder-dever de vigilância, de acordo com a Professora Maria do Carmo Medina (Direito de Família, 2ª Edição, Revista e Actualizada, Escolar Editora, 2013, páginas 142 e 143) "atribui aos pais o dever de velarem pela integridade física e moral dos filhos, afastando-os dos perigos que os possam atingir na sua própria pessoa ou na sua formação moral.

Com efeito, verifica-se muitas vezes o chamado abandono digital, situação que se consubstancia no facto de os pais deixarem os filhos à sua sorte na internet, permitindo que usem e abusem da mesma sem qualquer limite e controlo.

Esse poder-dever de vigilância impõe aos pais acções como (i) configurarem os dispositivos usados pelos filhos para padrões adequados à sua idade, como os relativos às páginas que podem consultar, o tempo de permanência na internet ou o tempo em que o dispositivo usado estará desbloqueado, (ii) navegar com os filhos, sobretudo, mas não apenas, na sua tenra idade, (iii) monitorar as páginas visitadas pelos filhos, (iv) consultar ou investigar a adequação das páginas e conteúdos vistos ou usados pelos filhos.

Por outras palavras, o dever de vigilância obriga aos pais a não abandonarem digitalmente os filhos, especialmente na internet.

Ao mesmo tempo, o dever de educação impõe aos pais não apenas enviar os filhos crianças à escola, mas também transmitir os valores fundamentais comungados pela família e pela sociedade, em última análise. Implica também o poder de comando e de correcção dos filhos (no mesmo sentido, Maria do Carmo Medina, obra citada, páginas 145 e 146).

Destarte, do poder de educação decorre que os pais, ao cumprirem com o poder-dever de vigilância devem orientar os filhos que páginas ou sítios da internet podem consultar, que páginas e sítios não devem visitar, o tempo de duração da sua estadia na internet e tudo o mais que julgarem pertimente para, em última análise, garantir-se a protecção das crianças.

E mais, ainda por força do poder-dever de educação, os pais devem aplicar castigos aos filhos que não ponham em causa a sua dignidade como pessoas, como seres humanos, como sejam: a privação de uso da internet por algum tempo, fazerem cópias, repetirem uma tarefa, em fim, sempre de acordo com a idade da criança e sem se atingir, reitera-se, a sua dignidade.

Para terminar, pode-se afirmar que a internet é, sem sombras de dúvidas, uma mais valia para a educação das crianças. Todavia, apresenta alguns perigos cujo combate pode ser feito de diversas formas, sendo de aplaudir a solução do UNICEF, mas que em última análise passa pela necessidade de os pais cumprirem os deveres de vigilância e de prestação de educação às crianças, que o Código da Família lhes impõe. 

O incumprimento dos mencionados poderes-deveres parentais poderá ser fatal para a criança, para a família e para a sociedade, considerando os males que daí podem advir (bullying virtual, pornografia e prostituição infantil, apenas para citar alguns). Por isso, é de todo recomendável que os pais cumpram os seus deveres para com os filhos que sejam crianças, para que se extraia o máximo de benefícios da internet para as mesmas (crianças), não obstante os perigos que a internet representa, especialmente para as crianças.

E a si, caro leitor, o que lhe parece? Como extrair o máximo proveito da internet para a educação e recreação das crianças sem as expor aos perigos que essa mesma internet oferece?

Muito obrigado pela sua leitura.

Ireneu Matamba

Ireneu Matamba

Mestre em direito pela Universidade do Minho; Aluno do Doutoramento em Direito Civil na UBA; Pós-graduado em direito das sociedades comerciais; Pós-graduado em direito do trabalho e segurança social; Co-fundador do portal Matamba - Direito & Tecnologia; Ex Director Geral do Guiché Único da Empresa; Ex Director Nacional de Identificação, Registos e Notariado; Docente universitário há 16 anos; Consultor jurídico (direito comercial, direito das sociedades comerciais, direito da família e sucessões e direito dos registos e notariado).

Áreas
Direito da Família

Palavras-chave
criança internet vigilância educação
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Comentários (5)

  • Rafael Miguel Afonso Zangilu
    Rafael Miguel Afonso Zangilu Cerca de 3 anos atrás

    Primeiramente, adorei, doutor! Segundo, sou da mesma ideia que o senhor professor, praticamente já falou da maior parte, portanto, só tenho que pedir que, escreva mais artigos do género, doutor.

  • Horácio Numa
    Horácio Numa Cerca de 3 anos atrás

    Relactivamente às acções impostas pelos poder-dever aos permitam-me acrescentar duas notas. Cada família é uma família, estas caracterizam-se por hábitos, regras e até condutas (internamente) próprias que nem sem convergem de umas às de outras. Porém, as crianças partilham o mesmo espaço (físico ou virtual), ou seja, crianças com intruções diferentes (às vezes divergentes) a partilharem o mesmo espaço, e, como qualquer relação humans normal, há influência de umas sobre as outras, como forma de filtrar ou até mesmo evitar a prevalência de acções e ideias negativas, é NECESSÁRIO um contacto regular entre os pais cujos filhos partilham os mesmos espaços de interação, por um lado. Por outro, os pais não devem se excusar nem ao menos prorrogar respostas às questões que as crianças trazem à si, se por alguma razão o fizerem convém que seja bem fundamentado, pois, hoje eles sabem que encontram na internet respostas para tudo (e como nem tudo é bom), ao recorrerem à esta via, poderão (inocentemente) optar pela resposta menos adequada. Ao encontrar uma resposta (ainda que não seja a mais acertada), voltará para lá as proximas vezes, (por vezes sem prevalence contactar o/a pai/mãe), afinal, há certeza de que lá obterá resposta.

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